27.8.05

A Meia

Alice calçou o pé direito da meia e reparou que nunca tinha parado pra pensar sobre o gesto de calçar o pé direito da meia. Ultimamente parava pra pensar sobre cada coisa, todos os movimentos eram lentos e vividos em cada detalhe. Algumas vezes reparava na sua respiração tentando se impor um ritmo mais adequado, e quando queria voltar ao modo inconsciente de respirar era como se não conseguisse, lhe faltava o ar. Não sabia mais respirar sem pensar que tinha que inspirar expirar inspirar expirar até que fosse interrompida por alguém ou algum outro pensamento mais interessante mais urgente – um pensamento mais carente - e esquecesse de vez aquilo tudo.

Andava tendo graves problemas respiratórios. Não que fosse vítima de asma, bronquite, pneumonia. É que suas roupas pareciam apertadas e se sentia sufocada. Tirava a blusa, o sutiã, e agora sua pele parecia apertada. Ela se sentia sufocada e sem saber porque. Na verdade ela sabia muito bem, mas fingia pra todo mundo que conseguia respirar e fingia pra si mesma que desconhecia o que – ou seria o quem? – tirava o ar de seu mundo.

A meia era branca com suas iniciais escritas com pilot pra tecido, mas estava encardida. Quer dizer, a meia tinha sido branca. A.L. Pra quem quisesse ver, desde criança em todas as suas peças de roupa. Na calcinha suja que esqueceu uma vez no banheiro do acampamento e que não pôde fingir que não conhecia. Sua marca estava lá. É verdade que sempre foi bem prática essa coisa do nome nas roupas. De que outra maneira alguém haveria de guardar sem fazer confusão as roupas de três meninas que cresciam juntas que acordavam e dormiam juntas que conversavam sobre qualquer coisa no banheiro uma tomando banho uma cagando uma escovando o dente tudo ao mesmo tempo juntas? Ela tinha que achar outra maneira de distinguir as roupas dos filhos que iria ter um dia.

Ao pegar o pé esquerdo da meia reparou – como sempre – que as duas não formavam originalmente um par, foram reunidas ao acaso no momento de serem guardadas. O tipo de coisa que Alice sempre reparava, e que todo mundo achava a maior besteira. Notava muito bem o local da costura dos dedos, do calcanhar, os acabamentos. Duas meias de cano curto brancas encardidas com suas iniciais escritas e ainda por cima que ficariam bem escondidas dentro do tênis, mas que ela sabia muito bem que não eram par perfeito. No jogo da memória, “quase igual” ou “parecido” nunca valia. Dentro do tênis vale? Ela via seu montinho ficando menor que o de todas as outras pessoas que com certeza estariam usando pés de meia feitos um pro outro, e não unidos assim de qualquer forma.

Pausa para a história dos montinhos: no jogo da memória ninguém tinha paciência de contar os pares conquistados um a um ao longo do jogo. O baralho era de bichos, e ela lembrava até dos desenhos. Aí a solução era empilhar as cartas de cada um em montinhos e ver qual ficava maior.

Parecia que vinha chuva e ela resolveu calçar o par de tênis velho pra não estragar o novo. Não que quisesse estragar o velho, mas não tinha muita opção. Droga! Achou que se ainda tivesse suas galochas vermelhas tudo estaria resolvido. E o guarda-chuva rosa que tombava pro lado porque era muito pesado pra ela carregar com uma mão só... a mão de Alice era pequena. Ela era pequena.
Outro dia andando na rua viu a mãe do menino dizendo pra ele tomar cuidado com as poças e ele estava de galocha. Aquilo nunca conseguia entender quando era criança: porque tomar cuidado com as poças quando se está de galocha? Não é pra isso que elas foram feitas? Será que todos os adultos já tinham esquecido a graça de pular dentro das poças e espirrar água pra todos os lados? Os adultos são mesmo complicados, eles não querem que a gente fique rodando pra não ficar tonta, mas pra que eu iria ficar rodando se não fosse justamente pra ficar tonta tontinha até cair. Aí todo mundo cresce e acha que é bem legal beber pra ficar tonto e pisar na poça sem dar explicação.

Alice é o tipo de garota que anda na rua cantando pulando o que der na telha, e sua irmã diz que ela tem que se comportar e parar com aquilo porque tá todo mundo olhando. Ela fica irritada: “Como e daí? ! Vão achar que você é louca e eu também porque tô do seu lado.”

Normalmente ela só andava rindo pelos cantos, se sentia leve e agora tudo parecia um pouco mais difícil. Até calçar o pé direito da meia, depois o esquerdo, depois os tênis e sair pra rua. Ela tinha levado mais de vinte minutos.

Já fazia um tempo que ela se sentia diferente, que todo mundo achava que ela tava meio estranha, mas quase ninguém comentava. Outro dia mesmo ela foi pro curso mas não saiu do carro. Ficou sozinha no carro ouvindo música até acabar o horário de aula e depois foi pra casa almoçar. Quase não falava com ninguém, também não tinha vontade. Na verdade não tinha muitas coisas pra falar.

Ficou pensando nessas coisas todas a caminho do ponto de ônibus e quando entrou no 433 quis dar bom dia pro motorista – como sempre – mas esqueceu quais eram as palavras. Conseguiu lembrar a tempo de ser simpática com o cobrador, mas ficou se sentindo uma idiota. Desabou o temporal e lhe ocorreu que era melhor ter saído de carro. Tarde demais.
Chegando em Copacabana Moço abre pra mim? desceu pisou direto do degrau numa poça com o tênis velho e a poça entrou dentro do tênis. O pé direito da meia branca encardida que se chamava A.L. como tantas outras estava agora encharcado. O outro pé também. Talvez tivessem mesmo sido feitos um pro outro, coisas do destino. Tiraria as duas assim que chegasse a algum lugar, odiava meia molhada. Pensou que com meia molhada ninguém chega a lugar nenhum. E que definitivamente só se pisa em poça de galocha.

21.8.05

Despedidas

Nas últimas semanas duas pessoas muito importantes pra mim viajaram pra longe e por muito tempo... e eu descobri que despedidas me deixam em pânico.

No dia que a Michele foi pra Portugal eu acordei com o pescoço totalmente travado, não conseguia me mover, e uma dor absurda. Resultado: não pude ir ao aeroporto. Semana passada foi a vez do Feliphe ir pra Índia, e nem me passava pela cabeça uma despedida no aeroporto. Mas no último segundo surgiu a proposta de ir atá lá dar uma passada... Nossa, eu gelei. Disse que não, que não podia, não sabia nem o que falar. Não fui. Acho que dói demais...

Nos dois casos eu não me despedi pessoalmente da pessoa. Foram despedidas frias e por telefone. Claro que teve o último encontro... mas sem a noção de que seria o último. Deixei "próximos encontros" estrategicamente marcados para serem furados, evitando a despedida (não, eu não planejei, foi inconciente - mas foi).

Pelo menos eu evoluí e consegui cultivar essas amizades mesmo com a notícia da partida. Tantas vezes eu me afastei de amigos porque sabia que eles iam embora... o medo de sofrer me paralizava. Tomara que essas pessoas saibam o quanto são importantes pra mim... mesmo eu não tendo ido me despedir. JUSTAMENTE por eu não ter ido até lá.

Pra vocês, toda a sorte do mundo e a certeza da minha amizade e do meu amor... saibam que são MUITO especiais!

Sonhos e Sono

Meus Sonhos:

Ultimamente tenho sonhado que estou grávida. Cada vez num contexto diferente, acho até que já tinha postado sobre isso. Dessa vez era uma gravidez onde o bebê ficava na minha perna esquerda - não que tivesse alguma coisa de estranho nisso no mundo do sonho, ele apenas estava lá. O tempo passava e eu esperava ele crescer, mas a barriga da minha perna ficava sempre do mesmo tamanho. Meu filho não ia nascer nunca, mas estava lá, quietinho. Me confortava a idéia dele aqui dentro. Melhor que nos últimos sonhos de gravidez, que acabaram em abortos.

Acho que são esses planos, essas mudanças de vida que eu fico acalentando dentro de mim, esperando crescerem e ficarem fortes para virem ao mundo mas que na verdade nunca vão ficar prontos. Não vão ficar prontos o suficiente. Nunca com o grau de perfeição que eu exijo de tudo. Mas e aí, o que eu faço? Guinadas pré-maturas? Abortos? Qual a solução pra isso tudo? Será que um dia vou ter a resposta, ou é como alguém disse: "justo quando eu encontrei todas as respostas mudaram todas as perguntas"?

Meu Sono:

Tenho dormido muito e muito pesado. Todo o desgaste emocional pelo qual estou passando está me deixando esgotada fisicamente. Hoje (domingo) acordei me perguntando em que dia da semana eu estava. Parecia que eu tinha dormido no mínimo um mês. Pelo menos estou conseguindo descansar...

18.8.05

É solitária essa história de ser cheio de amigos!

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Como que faz pra explicar o que eu sinto? Minha vida voltou ao normal, estou na mesma animação de sempre, toda aquela energia, aquele brilho. Quem tá em volta nem se incomoda mais. Nem percebe mais...

Estou bem, é verdade. A falta de você não me derruba pra sempre, apesar de me incomodar sempre. Em todos os momentos. Não a falta de te ver, que te vejo todo dia... a falta do tocar, a falta do saber - ou de me permitir a dúvida, pelo menos. Do peso exato em cima de mim - eu me lembro do seu peso... É um te ver todos os dias dolorido e devastador, que me lembra que você está aqui mas eu não estou aí. Ou melhor, estou... do jeito que eu não queria!

As insinuações - ah, as insinuações! - continuam existindo das duas partes, não adianta você dizer que não. É um jogo que você gosta de jogar e alimenta tanto quanto eu. Na maneira de olhar, de procurar, de falar e de tocar. Na maneira de existir quando está perto de mim. Você quer algumas coisas que eu quero... as noites loucas, a companhia, os olhares, os momentos. Pena que isso não me baste... Só que você não quer a responsabilidade, e não está nem aí se vai ser devastador pra mim... e eu, boba, não consigo resistir a mais um abraço, mais um beijo, outra chance de aproximação!

Saio com meus amigos que é pra passar o tempo, trabalho e estudo pra passar o tempo. O tempo que eu não estou ao seu lado, o abismo enorme entre nós dois. O pior é que nem acho que daria certo, acho até que eu ficaria entediada... mas não posso controlar essa coisa enorme que eu sinto por você e que me toma inteira. Nesse tempo eu me divirto, eu rio, descubro o prazer de ter um monte de gente legal do meu lado. Mas eu só queria poder dividir tudo isso com você!

8.8.05

Quem foi que disse que é bonito sofrer por amor? Só se for no cinema, na televisão. Porque pra valer é uma merda.
E cadê que eu era feliz, que eu me sentia leve? Agora cada coisa é um peso. Tento esconder de mim mesma essas coisas que eu sinto, esse sofrimento. Mas como esconder o buraco que você deixou, esse vazio sufocante?

Como que faz pra não lembrar de DVD tocando no fundo, de dançar juntinho sem roupa, de pudim de leite e de jogo de dardo e gamão? Como que se esquece telefonema no meio da noite e às 6 da manhã, Faustão e o Melamed, corrida de carros na TV? Cheiro de você, olhar de você, e ficar copiando CDs olhando você? Conversa no computador, mensagem pro celular dizendo como foi bom. Que eu sinto sua falta e nunca vou conseguir esquecer. Da pizza de frango com catupiry, das ilusões que eu criei sozinha mesmo, de peça de teatro e de todos os shows. Ah, e dos seus shows também, e treino de corrida. Programa de computador, faz pra mim? Homepage, faz pra mim? Carona, me dá? E depois, você vem pra cá? E eu fui todas as vezes. E continuarei indo sempre que você me chamar, e vou fazer de tudo pra te provocar. Mesmo sabendo que isso só pode me fazer mal, mesmo. Ou será que em algum momento eu vou saber dizer não? Não sei. Acontece que eu não queria ter que te esquecer. Queria é que você se lembrasse.

Se bem que te esquecer já seria uma saída.

7.8.05

Vide Verso(s) - II

Estaria eu ouvindo músicas
que me deixam triste

ou é só minha tristeza que
põe essas coisas pra tocar?

Que diferença faz, afinal?

Vide Verso(s)

Que momento é esse?
Se eu não consigo trabalhar, se eu não consigo fingir sentir o que não sinto, como vou poder conviver com os outros? Penso em versos, coisas que eu tenho lido esses dias. Coisas que eu não sei se eu li em algum papel ou se na minha própria imaginação.

como pode alguém sonhar
o que é impossível saber?
não te dizer o que penso
já é pensar em dizer

(Amarante)

você está tão longe
que às vezes penso
que nem existo

nem fale em amor
que amor é isto

(Leminski)

queria poder assumir
que é pra valer,
e que sem você não vai dar

e não fingir que gosto disso
da sua amizade
e nada mais

mas pensando bem
quer ser meu amigo?

(Rosenblatt)

Queria não ter que viver pro meu futuro. Como viveria se fosse só hoje? Se eu soubesse com certeza, que era só isso. Sem me preocupar em me sustentar, em desapontar, em engordar, em emagrecer, em doer. Se fosse pra valer, que a dor só durasse por hoje. A dor e o prazer. Tudo é perigoso, tudo é divino maravilhoso. E o que que a gente faz com esse tudo agora? Corre os riscos?

Sonhei que estava grávida e não queria. E quando comecei a gostar e criar essa ligação com a pessoa que eu sentia crescer dentro de mim, eu percebia que o tinha perdido. Não queria confirmar, não queria chegar em nenhum lugar pra não ter que saber com certeza. Apesar de no fundo já saber. Tinha acabado. Uma relação tão nova, e que mal tinha dado sinais. Mas que já era insuportavelmente forte.

Conversa de MSN - I

OBS: Tinha acabado de ouvir o 4, CD novo do Los Hermanos. Sempre me faz pensar sobre as coisas...

P.R. Rosenblatt
gosto dos Hermanos pq tem varias coisas q eu penso e eles escrevem pra mim...

Bernardo
ta certo

P.R. Rosenblatt
acho que é assim que funciona essas coisas, né?

Bernardo

é certo

P.R. Rosenblatt
às vezes é tudo tão simples... e tem vezes que me vejo com uma complexidade enorme. de ser tantas coisas ao mesmo tempo, de não querer ser nenhuma dessas coisas, de voltar a sentir o que já não sentia antes. De não ser mais o que era há 5 minutos atrás. E ao mesmo tempo ter a certeza de que sou exatamente a mesma desde que nasci.

Só que me mostrando de maneiras diferentes, pro mundo e pra mim mesma...

nossa, to crente que to escrevendo no blog agora, viajei